Marca italiana inicia, no fim de semana, a venda de versões híbridas leves de Pulse e Fastback com preços entre R$ 125,9 mil e R$ 161,9 mil
Mais de três décadas depois do surgimento do carro popular, o brasileiro vai começar a testar a “eletrificação popular”. A Fiat inicia, neste fim de semana, a venda de seus dois primeiros híbridos produzidos no Brasil. Serão carros do tipo híbrido leve, uma tecnologia que oferece menor consumo e emissões do que o motor a combustão, mas um nível de eletrificação abaixo do híbrido convencional e do 100% elétrico.
Mais do que simples lançamentos de carros, a iniciativa representa um marco, sob vários ângulos. De um lado, abre caminho para a eletrificação no Brasil. Num formato mais simples e barato e, segundo a aposta da Fiat, mais adequado ao padrão médio brasileiro. Ao mesmo tempo, é o contra-ataque das montadoras veteranas à entrada das marcas chinesas no mercado brasileiro.
A preços entre R$ 125,9 mil e R$ 161,9 mil, os primeiros híbridos da Fiat entram no lugar de versões intermediárias dos modelos Pulse e Fastback, produzidas, até aqui, só a combustão. Foi a forma que a marca encontrou para o consumidor entrar na linha eletrificada naturalmente, tendo acesso à nova tecnologia numa faixa de preços semelhante à que já existia.
O chamado híbrido leve consome menos combustível do que um similar que usa só motor a combustão. Mas está numa faixa de eletrificação abaixo do híbrido convencional, no qual o motor elétrico consegue tracionar as rodas sozinho. Trata-se da forma mais barata de eletrificar um automóvel.
Produzidos em Betim (MG), os novos Fiat têm preços próximos à faixa dos 100% elétricos mais baratos das chinesas BYD (entre R$ 115,8 mil e R$ 184,8 mil da linha Dolphin) e da GWM, cuja versão mais simples do seu carro elétrico, o Ora, custa R$ 150 mil.
Mas a Stellantis, dona da marca Fiat, aposta em outros atributos para atrair o consumidor. O principal é uma antiga relação de boa parte dos brasileiros com a Fiat, no país desde 1976 e líder do mercado há quase quatro anos. Não se pode desprezar a força da fidelidade na marca que ficou com 21,11% das vendas de carros e comerciais leves de janeiro a outubro.
Além disso, a marca italiana estreia no mercado da eletrificação com modelos SUVs, mais robustos que os compactos chineses. Pesará, ainda, o argumento de que, num híbrido, o motorista pode viajar sem se preocupar com a ainda incipiente rede de pontos de recarga públicos. E, por fim, os novos carros podem ser abastecidos com etanol, o que se alinha ao plano do governo de tornar os biocombustíveis brasileiros protagonistas na descarbonização global.
Na apresentação dos carros à imprensa, esta semana, a direção da Stellantis enfatizou não só a força da marca no mercado brasileiro como também destacou o protagonismo de seus carros em alguns períodos históricos.
Um dos destaques foi a projeção de uma foto do modelo 147, em 1979, em frente ao estádio Mineirão e ao lado de uma faixa: “Este é o primeiro test-drive de um carro a álcool produzido em série no mundo”. Em 1990, foi a vez de o Uno entrar na galeria dos carros populares.
E, em contraste com o que se via no passado, a causa ambiental, o aumento da temperatura da Terra desde a era industrial e projeções de cientistas sobre aquecimento global em diversos países entraram com força nos discursos.
O presidente da Stellantis na América Latina, Emanuele Cappellano, disse que a companhia “vem construindo” esse passo há dois anos e meio, com 250 engenheiros da empresa envolvidos no projeto e um número igual de profissionais na rede de fornecedores. Para ele, a solução do híbrido leve é “sustentável, acessível e atende à realidade do Brasil”.
A Stellantis sai, assim, na frente na era dos híbridos leves a etanol, um tipo de veículo em desenvolvimento também em outras grandes, como Volkswagen e Renault. No caso dos híbridos convencionais a etanol, a Toyota foi pioneira, com produção desse tipo de veículo no país desde 2019.
Pelos padrões do Inmetro, os híbridos leves da Fiat garantem economia de combustível (e, consequentemente, redução de emissões) entre 10% e 12%. Mas a empresa garante ser possível chegar a médias mais altas, principalmente no perímetro urbano, onde aumenta a possibilidade de regeneração – as rodas se transformam em geradores de energia nas frenagens ou desacelerações.
O custo com o projeto dos híbridos Fiat é anterior ao programa de investimentos de R$ 30 bilhões, anunciado pela Stellantis no início do ano, o que indica que mais lançamentos de eletrificados do grupo virão.
Segundo Cappellano, com esse passo a eletrificação começará a ganhar escala no Brasil. O aumento gradual de produção possibilitará, diz, reduzir custos para seguir, depois, para híbridos convencionais e plug-in (que permitem carregamento em tomada), até chegar nos 100% elétricos.
O executivo diz, ainda, que o “início dessa viagem” pôde ser feita graças a programas de incentivos federais como InovarAuto, Rota 2030 e Mover. “São marcos regulatórios importantes, políticas que estimulam o desenvolvimento.”
Hoje, híbridos e elétricos representam 7,5% das vendas de carros e comerciais leves no Brasil. Estimativas da indústria indicam que em 2030, 60% dos veículos vendidos no Brasil serão eletrificados (híbridos e elétricos).
O aumento da escala permitirá, também, a ampliação da nacionalização. As baterias dos híbridos Fiat virão, por enquanto, da Coreia. Mas, segundo Cappellano, a empresa já está em contato com fornecedores para que, em breve, pelo menos a montagem desses equipamentos seja feita no Brasil.
O índice de conteúdo local tende a ser mais um diferencial que a Stellantis pretende ter em relação às marcas chinesas. Segundo Cappellano, “montar um carro é diferente do que produzir”. Ele critica, ainda, os altos estoques de carros chineses, trazidos ao país antes dos aumentos das alíquotas do Imposto de Importação. Segundo o executivo, a exposição às variações de clima pode prejudicar a qualidade dos veículos.
Nesse campo de batalha, o cenário indica que o início de produção no Brasil será o próximo contra-ataque do lado chinês. BYD e GWM planejam inaugurar fábricas entre o fim do ano e o primeiro semestre de 2025.